A possibilidade de taxas de administração negativas nas licitações

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Fonte: Jus Navigandi - Evandro Beck Souza, Advogado em Curitiba (PR) - 06.2008

Existem serviços no mercado em que a remuneração do prestador é feita por meio de taxa de administração, cobrada sobre o valor do serviço intermediado.

Desse modo atuam as administradoras de vale-refeição, vale-alimentação, vale-combustível e cartão combustível. Nesses casos, a empresa cobra uma taxa ou comissão sobre o valor total das operações intermediadas.

Os exemplos citados são considerados serviços comuns, logo são licitados na modalidade pregão, a qual permite a redução dos preços na fase de lances.

Ocorre que, em certas circunstâncias, as taxas de administração propostas podem ter valor nulo ou, até mesmo, negativo. Considerando que o art. 44, §3º, da lei n.º 8.666/93 não admite propostas com preço irrisório ou de valor zero, poderia o pregoeiro aceitar uma oferta de taxa de administração nula ou negativa?

A resposta à indagação é positiva. A proposta da administradora poderia ser aceita em razão da forma como esse serviço é executado. Isso porque a renda dos particulares prestadores de tal serviço decorre de três principais fontes: da contratante, de aplicações financeiras e dos estabelecimentos credenciados. Esse é o entendimento do Tribunal de Contas da União - TCU, expresso na decisão 38/1996 - plenário:

2- deixar assente que, no que pertine às licitações destinadas ao fornecimento de vales-refeição/alimentação, a admissão de ofertas de taxas negativas ou de valor zero, por parte da Administração Pública, não implica em violação ao disposto no art. 44, § 3º , da Lei nº 8.666/93, por não estar caracterizado, a priori, que essas propostas sejam inexeqüíveis, devendo ser averiguada a compatibilidade da taxa oferecida em cada caso concreto, a partir de critérios objetivos previamente fixados no edital;

O voto do relator teve por motivo o seguinte raciocínio:

7. Isso porque, conforme foi apurado na inspeção em apreço, a remuneração das empresas desse ramo não se restringe à taxa de administração cobrada ou aos rendimentos eventualmente obtidos no mercado financeiro. Fica assente neste trabalho que a remuneração dessas empresas advém também das taxas de serviços cobradas dos estabelecimentos conveniados ( as quais variam de 1 a 8%), das sobras de caixa que são aplicadas no mercado financeiro e das diferenças em número de dias existentes entre as operações que realiza como emissão de tíquetes, utilização desse pelo usuário, pagamento dos tíquetes pelo cliente, reembolso à rede de credenciados ( varia de 7 a 16 dias).

Dessa maneira, a empresa pode receber um percentual sobre o montante de transações intermediadas. Assim, se ela recebe R$100.000,00 para a emissão de vales-refeição e a taxa de administração praticada é de 10%, a administradora receberá um total de R$110.000,00 do contratante.

Outro meio da empresa obter remuneração são as aplicações no mercado financeiro do montante recebido do contratante para emissão dos vales. Tal atividade é chamada de operação de crédito antecipado. Nela, a administradora recebe do contratante o valor para emissão dos vales e o aplica no mercado financeiro. Isso é possível porque existe um intervalo entre a data em que a administradora é paga e a data em que o valor é repassado para os estabelecimentos credenciados. Nesse interstício, as aplicações do valor recebido geram renda para a empresa.

Por fim, ainda há a possibilidade da administradora cobrar, pelo credenciamento, uma mensalidade para mantê-lo ou um desconto sobre cada vale recebido.

Aceitar vales é vantajoso para o empresário, porque o recebimento de tais atrai consumidores. Por isso, os estabelecimentos optam por pagar pelo credenciamento.

Portanto, ainda que a taxa de administração oferecida no certame seja nula ou negativa, a empresa tem como executar o contrato e o seu preço não pode ser considerado inexeqüível.

Caso a taxa seja negativa, o contratante receberá um desconto sobre o valor dos vales. Então, se forem emitidos R$10.000,00 em vales e a taxa de administração for de -1%, quem contrata a administradora terá de pagar a ela somente R$9.900,00. Os outros R$100,00 serão obtidos das aplicações no mercado financeiro ou dos estabelecimentos credenciados.

Contudo, é importante que o pregoeiro se atenha para a exeqüibilidade das taxas baixas. Como recomenda o TCU em sua decisão, o ideal é que o edital contenha forma objetiva de aferição da possibilidade de execução da proposta.

Uma forma de se estabelecer um critério de exeqüibilidade da proposta é através de consulta às taxas praticadas no mercado e no âmbito da própria Administração em outros órgãos e entidades.

Tendo em vista o exposto, são admissíveis taxas de administração nulas ou negativas nas licitações, desde que o valor seja exeqüível, conforme entendimento firmado pelo Tribunal de Contas da União na decisão 38/1996 -plenário.

0 comentários: